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A LENDA DE BODIDHARMA

A LENDA DE BODIDHARMA

Durante as dinastias do Norte e do Sul, o principal regime começou a atacar a área central da China, e a ordem social foi rompida. Isto criou um crescente interesse no estudo religioso. Em conseqüência, muitas figuras religiosas entraram no país. Uma, em particular, foi Bodhidharma. 
Bodhidharma é uma figura obscura na história do budismo. As fontes mais fiéis para nosso conhecimento são Biographies of the High Priests (Biografias dos Altos Sacerdotes) do Sacerdote Taoh-suan (654 d.C.) e The Records of the Transmission of the Lamp (Os Registros da Transmissão da Fonte de Luz Espiritual) do Sacerdote Tao-yuan (1004 d.C.).

Apesar destas fontes aparentemente autênticas, os modernos estudiosos ou têm sido relutantes em aceitar qualquer versão da existência de Bodhidharma ou afirmam que Bodhidharma é uma lenda. Muitos historiadores budistas, contudo, denominaram Bodhidharma o 28º Patriarca do Budismo, dando provas de sua existência.


Bodhidharma (também conhecido como Ta Mo, Dharuma e Daruma Taishi) foi o terceiro filho do Rei Sugandha do sul da Índia, foi um membro dos kshatriya, ou casta guerreira, e passou sua infância em Conjeeveram (também Kanchipuram ou Kancheepuram), a pequena província budista do sul de Madras. Ele recebeu seu treinamento em meditação budista do mestre Prajnatara, que foi responsável pela mudança do nome do jovem discípulo de Bodhitara para Bodhidharma.

Bodhidharma foi um excelente discípulo e logo se sobressaiu entre os colegas. Na meia-idade já era considerado um mestre budista. Quando Prajnatara morreu, Bodhidharma zarpou para a China. Duas razões existem para isso: foi um desejo de seu mestre, Prajnatara, no leito de morte; ou Bodhidharma ouviu falar dos religiosos na China e se entristeceu com o declínio da verdadeira filosofia budista lá.

Os relatos das atividades de Bodhidharma na China variam consideravelmente. O livro Biografias dos Altos Sacerdotes, de Tao-hsuan, afirma que Bodhidharma chegou à China durante a dinastia Sung (420-479 d.C.) e as dinastias do Norte e do Sul (420-581 d.C.) e mais tarde viajou para o norte para o reino de Wei. Mas a data tradicional dada para a entrada de Bodhidharma, segundo o livro Biografias dos Altos Sacerdotes de Tao-hsuan que foi preciso em colocá-lo no templo Yung-ning em Lo-yang em 520 d.C. O livro ainda afirma posteriormente que um noviço budista chamado Seng-fu juntou-se aos seguidores de Bodhidharma, foi ordenado por Bodhidharma e então viajou para o sul da China, onde morreu com a idade de 61 anos. Um simples cálculo matemático nos diz que se Seng-fu estava de fato com 61 anos em 524 d.C. e possuíra a idade mínima aceitável para ordenação (20 anos), teria estado com 20 anos em 483 d.C., colocando o monge indiano na China mais cedo do que a data tradicional.


Uma variação no tema acima, encontrada em Os Resgistros da Transmissão da Fonte de Luz Espiritual, situa Bodhidharma em Cantão em 527 d.C. Após passar algum tempo lá, ele viajou para o norte, encontrando o Imperador Wu da dinastia Liang (502-557 d.C.) em Ching-ling (agora Nanquim). 
Quando Wu viu Bodhidharma (diz a lenda), ele lhe perguntou: "Eu trouxe as escrituras de seu país para o meu. Construí templos de grande beleza e fiz com que todos abaixo de mim aprendessem as grandes doutrinas budistas. Que recompensas eu receberei na próxima vida por isso?"Bodhidharma replicou: "Nenhuma!" (referindo-se à crença budista de que se você fizer alguma coisa esperando recompensa, pode esperar nada).O rei ficou tão furioso que baniu Bodhidharma do palácio. Bodhidharma novamente se dirigiu para o norte.

Viajou para a província Honan atravessando o rio Yuang-tse (diz a lenda) num bambu. Estabeleceu-se no monastério Shaolin (também chamado Sil-lum) no monte Shao-shih nas mostanhas Sung. 
Depois de chegar ao templo Shaolin, ele meditou em frente a uma parede por nove anos. Em sua meditação, fundou o budismo ch'an. A lenda diz que além de formar o ch'an, Bodhidharma também fundou o Kung Fu. Contudo, vimos que o Kung Fu já existia com muitos nomes diferentes por toda a história da China.

É mais provável que, sendo um mosteiro, Shaolin abrigasse muitos fugitivos da justiça, fugitivos que eram também guerreiros hábeis tornavam-se monges. Contudo, acredita-se que Bodhidharma tenha fundado uma série de exercícios que ajudavam a unir a mente e o corpo - exercícios que os monges guerreiros achavam benéficos a seu treinamento. Dois famosos clássicos, Sinew Change Classic e Washing Marrow são tidos como escritos por Bodhidharma ou seus seguidores baseados em seus ensinamentos. Destes clássicos vieram empregos da luta na forma do punho de pedra e das 18 mãos de lohan. Durante esta época, as artes marciais da China separaram-se em duas formas distintas: boxe interno (nei-chia) e boxe externo (wai-chia).

O estilo Shaolin de Kung Fu começou sua segunda transição durante a dinastia Yuan (1206-1333 d.C.), quando um monge chamado Chueh Yuan (também chamado Hung Yun Szu) aperfeiçoou o sistema para reunir 72 formas ou técnicas. Mais tarde, os 72 movimentos foram estudados por Pai Yu-feng e Li Cheng da província Shansi. Além dos métodos de Chueh Yuan, eles também estudaram as 18 mãos de lohan de Bodhidharma e fundiram os métodos para inventar 170 técnicas. Estes 170 métodos formaram a base do atual estilo Shaolin, um estilo que é muito complexo em seus métodos e diversificação. Pai Yu-feng ensinou que um homem tem cinco príncipios: força, ossos, espírito, tendões e ch'i (energia interior).


Seus 170 métodos continham a essência de cinco animais. Eram eles a serpente (she), o leopardo (pao), a garça azul (hao), o dragão (lung) e o tigre (hu). O tigre ensinou o método de força dos ossos; o dragão desenvolveu grande força do espírito; a garça azul ensinou o treinamento dos tendões; o estilo do leopardo representou extrema força e a serpente instruiu na capacidade de fluir o ch'i.

O sistema Shaolin desmembrou-se em cinco estilos distintos. Isto porque havia cinco templos Shaolin em vários distritos. O sistema original veio da província de Honan. Os outros sistemas foram chamados de acordo com as províncias em que se situavam os templos: O-mei, Wu-tang, Fukien e Kwang-tung. No sul (Cantão), as cinco variedades de Kung Fu Shaolin desenvolveram-se em sistemaas familiares: Hung, Lau, Choy, Li e Mo. 
Cada uma dessas cinco famílias desenvolveu suas próprias artes: 
Hung Gar: Da família Hung. Fundado por Hung Hei Gung. Usa a força externa e exercícios de tensão dinâminca e é excelente para desenvolver músculos e posturas fortes.

Lau Gar: Da família Lau. Fundado por Lau Soam Ngan, é um excelente sistema baseado em métodos manuais de médio alcance. 
Choy Gar: Da família Choy. Fundado por Choy Gau Yee, este não é o sistema Choy Li Fut que é tão popular hoje. Embora tenha algumas semelhanças, a marca registrada de Choy Gar são seus métodos de ataque a longo alcance. 
Li Gar: Da família Li. Fundado por Li Yao San, este sistema usa ataques de médio alcance com um murro poderoso de médio alcance. 
Mok Gar: Da família Mok (ou Mo). Fundado por Mok Ching Giu, este sistema tem socos de curto alcance e métodos de chute muito poderosos. 
O mais fascinante aspecto dos 170 métodos de Pai é seu fundamento nos movimentos dos animais, a saber, o tigre, o dragão, a garça azul, o leopardo e a serpente.

A garça azul (hao) é um estilo baseado em métodos e técnicas para fortalecer os tendões. Ele enfatiza o equilíbrio, o trabalho dos pés complexo e rápido, e um único movimento do punho chamado o bico da garça, no qual todos os dedos se unem na ponta para aplicar ações de bicar. A marca registrada do estilo garça azul é sua postura de uma perna e um punho muito alongado (chang ch'uan). Além destas técnicas, a garça aul também usa um punho curto (tuan ch'uan), técnicas de armadilha com o pulso e uma variedade de chutes. 
O estilo do leopardo (pao) desenvolve poder, velocidade e força, especialmente na parte inferior do corpo. O método do leopardo exibe golpes penetrantes e rápidos e uma atitude mental feroz.

A serpente (she) é talvez o aspecto mais interpretado dos cinco animais (wu-chia ch'uan), já que desenvolve a misteriosa energia intrínseca chamada ch'i. O estilo em si realça a elasticidade dos tendões e ligamentos, flexibilidade, movimentos diagonais defensivos e ofensivos e ataques velozes com os dedos. A mão da serpente usa às vezes dois dedos (o do meio e o indicador) ou os quatro dedos (que é o mais usado). O ataque com os dedos são aplicados nas partes moles do corpo do adversário, com movimentos circulares que açoitam, golpeiam de leve e saltam.

O dragão (lung), um animal mítico do folclore chinês, desenvolve autoconfiança. Movimentos técnicos são aplicados com fortes torções do corpo (como a torção e sacudidela violenta do corpo e rabo do dragão). O estilo do dragão também usa uma postura baixa e potente do cavalo e desenvolve espírito forte por meio da graça e flexibilidade. Muitos sistemas completos de Kung Fu se originaram dos movimentos do dragão. A maioria se destaca por seus movimentos fluentes, técnicas de mão abundantes (umas 12 danças do punho ou kuen), chutes fortes e rápidos, uma variedade de movimentos circulares de perna e umas 28 séries de armas.

O tigre (hu) desenvolve força por meio do uso de tensão dinâmica e usa esta força para resgatar poderosas técnicas de mão de posturas muito baixas. A técnica de mão básica que distingue este estilo dos outros é a garra do tigre. O estilo do tigre geralmente investe para cima. (Existem, contudo, exceções onde o estilo do tigre investe para fora horizontalmente.) 
Com o príncípio dos 170 métodos de Pai, o Kung Fu começou um novo período de crescimento. Contudo, o Kung Fu não começou no templo Shaolin, como muitos acreditam. Em vez disso, o Kung Fu começou a florescer através da influência de Shaolin. Por volta desta época, o Kung Fu passou a ser categorizado como estilos (métodos) do Norte e do Sul. O rio Yuangtze é tradicionalmente a demarcação entre o Norte (mandarim) e o Sul (cantonense).

Os sistemas do Norte destacam-se por suas técnicas de perna e seus padrões muito elegantes e extremamente trabalhados. Os métodos são ligeiros e graciosos. As técnicas do Norte adotaram esta especialização (de acordo com a lenda) por causa do terreno montanhoso que desenvolvia pernas fortes. Outros acreditam que o tempo inclemente forçava as pessoas a usar roupas pesadas. Isto exigia pernas fortes, já que a parte superior do corpo era difícil de se mover com rapidez.

Os estilos do Sul, por sua vez, não usam os métodos acrobáticos do Norte, e por causa disto muitos acham que são mais fáceis de se aprender. Os estilos do Sul usam posturas baixas, técnicas de mão potentes e chutes baixos rápidos. O povo cantonense, que pronuncia Kung Fu como Gung Fu, é mais baixo e mais atarracado e prefere usar métodos de mão. A lenda diz que como o Sul da China tem mais pântanos e água, o povo sulista remava mais, o que desenvolvia seus braços para técnicas de mão. Os praticantes do Gung Fu baseiam-se na velocidade, força, agilidade e resistência para executar seus ataques e defesas.

Os dois estilos mais singulares que se originaram do Kung Fu Shaolin são a palma de ferro (t'ieh chang) e a mão de veneno (dim mark). A palma de ferro refere-se ao método de condicionar externamente a mão para torná-la dura. A idéia é ter uma arma sempre disponível que consiga atacar com a força da morte. Os praticantes da palma de ferro usam ungüento de ervas chamado dit da jow. Usando isto, as mãos não demonstram sinais da capacidade mortífera. 
A mão de veneno refere-se à capacidade de atingir centros nervosos para causar um ferimento antagônico. Os praticantes da mão de veneno usam mais o ch'i (energia interior) do que condicionamento físico. 
Quando utilizada, há poucos sinais de ferimentos externos; contudo, a energia destrutiva danífica os órgãos internos.

(Bodhidharma) é visto por muitos budistas como o fundador da seita Chan na China, assim ele é visto como santo e adorado. A história mostra, como descrito abaixo, que é de fato altamente improvável que ele realmente tenha inventado o Budismo Chan e alguns dizem que ele nunca viveu de fato!

Seu papel nas artes marciais de Shaolin é mais ou menos o mesmo que nas artes marciais, visto que o budismo Chan e as artes marciais são essencialmente um.

Pessoalmente eu não acho que podemos dizer que as artes marciais têm hoje uma forte ligação com Damo. Muitas escolas ensinam e praticam o Shaolin sem qualquer budismo, deixando de lado o papel que Damo tem nele.

Na China, Damo como outros “pais fundadores” das seitas e escolas, faz parte do culto ancestral. Eu o vejo nesse papel; um símbolo de todas as pessoas que têm contribuído para o desenvolvimento das artes marciais de Shaolin.

Do meu professor até o início das artes marciais, em um contexto budista, Damo me lembra o fato de que as artes marciais de Shaolin são um desenvolvimento contínuo a que muitas pessoas, em grande parte anônimos, contribuíram.

A história se tornou uma lenda ou um mito desde o início…

Bodhidharma (Damo Puti em chinês, muitas vezes apenas Damo (Tamo)) visitou o templo no século VI. Seus ensinamentos baseados na meditação e yoga, formaram a base de uma nova filosofia budista chamado Chan, famoso no mundo inteiro sob o nome de Zen japonês.

Ele ensinou aos monges respirações e exercícios físicos para que lidassem melhor com a vida religiosa rígida que levavam.

Os monges permaneciam sentados imóveis por longos períodos de tempo, por isso seus corpos estavam em má forma.

Os exercícios ensinados por Damo podem ser vistos como os fundamentos das artes marciais, pelo qual  o templo Shaolin cresceu  e ficou famoso.

Eu possuo o verdadeiro olho do Dharma, a mente maravilhosa do Nirvana, a forma verdadeira do informe, o portal sutil do Dharma que não depende de palavras ou escritos, mas é uma transmissão especial fora das escrituras. Isto eu passo a Mahakashyapa.

Mahakashyapa é, por este dom raro de compreensão, considerado o primeiro patriarca pelo Zen chinês, ou (Ch’an)[7]. Tal tradição foi transmitida até chegar a Bodidarma.

O Budismo chegou à China 2.000 anos atrás. Reporta-se que já no ano 65 d.C., uma comunidade de monges budistas vivia sob proteção da realeza na parte norte da Província de Kiangsu, próxima do local de nascimento de Confúcio, e os primeiros monges provavelmente chegaram 100 anos antes.

 Desde então, dezenas de milhares de monges da Índia e da Ásia Central têm viajado para China por terra e mar, mas dentre aqueles que trouxeram os ensinamentos de Buda para China, nenhum teve impacto comparável ao de Bodhidharma.

Conhecido apenas por alguns discípulos durante sua vida, Bodhidharma é o patriarca de milhões de zen-budistas e de estudantes de kung-fu. Também é o protagonista de muitas lendas. Além de ter trazido zen e kung-fu, relata-se também ter trazido o chá para a China. Para se resguardar de cair no sono durante a meditação, ele cortou suas pálpebras, e onde elas caíram cresceram arbustos de chá. Desde então, o chá tornou-se a bebida não somente de monges, mas de todos no Oriente. Fiéis a essa tradição, os artistas invariavelmente representam Bodhidharma com olhos salientes e sem pálpebras.

Como sempre acontece com as lendas, tornou-se impossível separar fato de ficção. As datas são incertas. De fato, eu conheço pelo menos um erudito budista que duvida que Bodhidharma tenha existido. Mas correndo o risco de escrever sobre um homem que nunca existiu, eu esbocei uma biografia, baseada nos registros mais recentes e algumas suposições, para fornecer um cenário para os sermões a ele atribuídos.

 

Bodhidharma nasceu em torno do ano 440 em Kanchi, capital do reino sulista indiano de Pallawa. Ele era um brâmane de nascimento e o terceiro filho do Rei Simhavarman. Quando ele era jovem, ele converteu-se ao budismo, e mais tarde o Dharma lhe foi ensinado por Prajnatara, de Magadha, que foi convidado pelo seu pai. Magadha era o antigo centro do budismo. Também foi Prajnatara quem disse para Bodhidharma ir para China. Uma vez que a tradicional rota terrestre estava bloqueada pelos hunos, e uma vez que Pallawa tinha laços comerciais por todo Sudeste Asiático, Bodhidharma partiu de navio de um porto nas proximidades, Mahaballipuram. Depois de contornar a costa da Índia e a Península da Malásia por três anos, ele finalmente chegou ao sul da China ao redor do ano 475.

Nessa época o país estava dividido pelas dinastias Wei do norte e Liu Sung. Essa divisão da China numa série de dinastias nortistas e sulistas começou no início do Séc. III e continuou até o país ser reunificado sob a dinastia Sui no fim do Séc. VI. Foi durante esse período de divisão e conflito que o budismo indiano transformou-se em budismo chinês, com os nortistas de mente militarista enfatizando meditação e mágica e os intelectuais sulistas preferindo discussão filosófica e a compreensão intuitiva de princípios.

Quando Bodhidharma chegou à China, no fim do Séc. V, haviam aproximadamente 2 mil templos budistas e 36 mil clérigos no sul. Ao norte, um recenseamento em 477 contou 6,5 mil templos e aproximadamente 80 mil clérigos. Menos de 50 anos mais tarde, outro recenseamento feito ao norte aumentou esses números para 30 mil templos e 2 milhões de clérigos, ou cerca de 5% da população. Sem dúvida, isso incluía muitas pessoas que estavam tentando evitar impostos ou recrutamento ou que procuravam a proteção da igreja por outras razões não religiosas, mas claramente o budismo estava espalhando-se pelas pessoas comuns ao norte do Rio Yangtze. No sul, permaneceu muito confinado à elite educada até o Séc. VI.

 

Seguindo a sua chegada ao porto de Nanhai, Bodhidharma provavelmente visitou centros budistas no sul e começou a aprender Chinês, se é que ele já não havia feito isso em seu caminho desde a Índia. De acordo com A Transmissão da Lâmpada de Tao-yuan, obra terminada em 1002, Bodhidharma chegou ao sul tarde, em 520, e foi convidado para capital em Chienkang para uma audiência com o Imperador Wu da dinastia Liang, sucessor de Liu Sung. Durante esse encontro o imperador perguntou sobre o mérito de executar trabalhos religiosos, e Bodhidharma respondeu com a doutrina do vazio. O imperador não entendeu, e Bodhidharma partiu. Os registros mais recentes, no entanto, não mencionam tal encontro.

 Em qualquer caso, Bodhidharma cruzou o Rio Yangtze – de acordo com a lenda, numa embarcação de bambu – e estabeleceu-se ao norte. Primeiramente ele permaneceu ao norte na capital de Wei, Pingcheng. Em 494, quando o Imperador Hsiao-wen mudou sua capital para o sul de Loyang na margem norte do Rio Lo, a maioria dos monges que viviam na área de Pingcheng mudou-se também, e Bodhidharma provavelmente estava entre eles. De acordo com o livro Vidas Remotas de Monges Exemplares de Tao-hsuan, cujo primeiro esboço foi escrito em 645, Bodhidharma ordenou um monge com o nome Sheng-fu. Quando a capital foi mudada para Loyang, Sheng-fu mudou-se para o sul. Uma vez que a ordenação normalmente requer um aprendizado de três anos, Bodhidharma já devia estar ao norte em torno do ano 490 e então devia estar razoavelmente fluente em Chinês.

Alguns anos mais tarde, em 496, o imperador ordenou a construção do Templo de Shaolin no Monte Sung, na Província de Honan ao sudeste de Loyang. O templo, que ainda existe (principalmente como atração turística), foi construído para outro mestre de meditação da Índia, e não para Bodhidharma. Embora mais mestres zen passaram pelo templo nos últimos 1.500 anos, Bodhidharma é o único monge que alguém além de um historiador budista associa com Shaolin. Foi aqui, no Pico Shaoshih ocidental do Monte Sung, que se diz que Bodhidharma passou nove anos em meditação, de frente para parede de pedra de uma caverna a cerca de uma milha do templo. Shaolin mais tarde tornou-se famoso como centro de treinamento de monges em kung-fu, e Bodhidharma é honrado como o fundador dessa arte igualmente. Vindo da Índia, sem dúvida ele instruiu seus discípulos em alguma forma de yoga, mas nenhum registro antigo menciona-o ensinar qualquer exercício ou arte marcial.

Pelo ano 500, Loyang era uma das maiores cidades no mundo, com uma população acima de meio milhão. Quando o Imperador Hsuan-wu morreu em 516 e a imperadora Dowager Ling assumiu o controle do governo, um de seus primeiros atos foi mandar construir o Templo Yung-ning. A construção desse templo e de seu pagoda de 400 pés de altura quase exauriram o tesouro imperial. De acordo com um registro dos templos de Loyang escrito em 547 por Yang Hsuan-chih, os sinos-de-vento dourados pendurados nos beirais do telhado podiam ser ouvidos a três milhas de distância e a ponta do pagoda do templo podia ser vista a 30 milhas de distância. O relato de Yang inclui os comentários de um monge do leste chamado Bodhidharma, que disse ser a estrutura mais imponente que ele já tinha visto. Uma vez que o templo não foi construído antes de 516 e foi destruído por fogo em 534, Bodhidharma deve ter estado na capital por volta de 520. Registros antigos dizem que ele viajou por toda área de Loyang, indo e vindo com as estações. Na capital, no entanto, ele deve ter estado no Templo Yung-ming. Não confundir com o Templo Yung-ning, Yung-ming foi construído alguns anos antes, no começo do século VI, pelo Imperador Hsuan-wu, como templo central para monges estrangeiros. Antes da evacuação de massas da cidade durante o colapso de Wei ao norte em 534, o templo foi lar de mais de 3 mil monges de países tão distantes como a Síria.

Apesar da súbita popularidade do budismo na China, Bodhidharma encontrou poucos discípulos. Além de Sheng-fu, que mudou-se para o sul logo após a ordenação, os únicos discípulos mencionados são Tao-yu e Hui-k’o. Diz-se que ambos estudaram com Bodhidharma por cinco ou seis anos. Tao-yu, nos é dito, entendeu o Caminho mas nunca ensinou. Foi para Hui-k’o que Bodhidharma confiou o manto e a tigela de sua linhagem e, de acordo com Tao-hsuan, uma cópia da tradução do Sutra Lankavatara feita por Gunabhadra. No sermão traduzido aqui, no entanto, faz citações principalmente do Sutra do Nirvana, Avatamsaka e Vimilakirti e não usa terminologia alguma característica do Lankavatara. Talvez tenha sido Hui-k’o, e não Bodhidharma, quem tinha uma boa opinião desse sutra.

Em sua Transmissão da Lâmpada, Tao-yuan diz que logo depois que ele transmitiu o patriarcado de sua linhagem para Hui-k’o, Bodhidharma morreu em 528 no quinto dia do décimo mês, envenenado por um monge ciumento. Tao-hsuan somente diz, em sua biografia muito mais antiga, que Bodhidharma morreu nas margens do rio Lo e não menciona a data e a causa da morte. De acordo com Tao-yuan, os restos de Bodhidharma foram enterrados perto de Loyang no templo Tinglin na Montanha Orelha de Urso. Tao-yuan também diz que três anos mais tarde um oficial encontrou Bodhidharma caminhando nas montanhas da Ásia Central. Ele estava carregando um cajado no qual estava pendurada uma única sandália, e ele disse ao oficial que estava voltando para a Índia. Relatos desse encontro levantaram a curiosidade dos outros monges, que finalmente concordaram em abrir a tumba de Bodhidharma. Tudo que eles encontraram dentro foi uma única sandália, e desde então Bodhidharma tem sido representado carregando um cajado no qual se pendura a sandália faltante.

 Com o assassinato do Imperador Hsiao-wu em 534, a nortista Wei dividiu-se em duas dinastias, Wei Ocidental e Oriental, e Loyang foi atacada. Uma vez que a poderosa família Kao de Wei Oriental era famosa por seu patrocínio ao budismo, muitos dos monges que viviam em Loyang, incluindo Hui-k’o, mudaram-se para Yeh, capital de Wi Oriental. Lá finalmente Hui-k’o encontrou T’an-lin. T’an-lin trabalhou primeiramente em Loyang e mais tarde em Yeh escrevendo prefácios e comentários para novas traduções dos sutras budistas. Depois de encontrar Hui-k’o, ele ficou interessado na abordagem ao budismo de Bodhidharma e adicionou um breve prefácio ao Esboço da Prática. Nesse prefácio ele diz que Bodhidharma veio do sul da Índia e que depois de sua chegada à China, ele achou apenas dois discípulos de valor, Hui-k’o e Tao-yu. Ele também diz que Bodhidharma ensinava meditação na parede e as quatro práticas descritas no Esboço.

Se isso é tudo que sabemos de Bodhidharma, por que, então, é ele o mais famoso de milhões de monges que estudaram e ensinaram o Dharma na China? A razão é que a ele somente é creditado ter trazido o zen para China. É claro que o zen, como meditação, tinha sido ensinado e praticado por centenas de anos antes de Bodhidharma chegar. E muito do que ele tinha para dizer a respeito da doutrina tinha sido dito antes – por Tao-sheng, por exemplo, uma centena de anos antes. Mas a abordagem ao zen de Bodhidharma era única. Como ele diz nesses sermões “Ver sua natureza é zen… Não pensar sobre coisa alguma é zen… Tudo que você faz é zen.” Enquanto outros viam o zen como purificação da mente ou como um estágio no caminho para buditude, Bodhidharma equacionou zen com a buditude – e a buditude com a mente, a mente do dia-a-dia. Em vez de dizer aos seus discípulos para purificarem suas mentes, ele lhes apontava paredes de pedra, movimentos de tigres e garças, uma embarcação de bambu flutuando no do Rio Yangtze, uma sandália. O zen de Bodhidharma era zen Mahayana, e não zen Hinayana – a espada da sabedoria, e não a almofada de meditação. Como fizeram outros mestres, sem dúvida ele instruiu seus discípulos em disciplina budista, meditação e doutrina, mas ele usou a espada que Prajnatara lhe deu para livrar-lhes a mente das regras, transes e escrituras. Tal espada, no entanto, é difícil de pegar e difícil de usar. É uma pequena maravilha o fato que seu único sucessor, Hui-k’o, tinha um braço só.

 

Mas tal entendimento radical do zen não originou-se com Bodhidharma ou com Prajnatara. Dizem que um dia Brahma, senhor da criação, ofereceu a Buda uma flor e pediu-lhe para pregar o Dharma. Quando Buda levantou a flor, sua audiência estava confusa, exceto Kashyapa, que sorriu. Foi assim que o zen começou. E foi assim que ele foi transmitido: com uma flor, com uma parede de pedra, com um grito. Essa abordagem, uma vez que se fez conhecida por Bodhidharma e seus sucessores, revolucionou o entendimento e prática do budismo na China.

Tal abordagem não se encontra por acaso muito bem em livros. Mas em seu livro Vidas Remotas de Monges Exemplares, Tao-hsuan diz que os ensinamentos de Bodhidharma foram escritos. Muitos eruditos concordam que Esboço da Prática é um de tais registros, mas as opiniões dividem-se a respeito dos outros três sermões aqui traduzidos. Todos os três há muito são atribuídos a Bodhidharma, mas em anos recentes um número de eruditos tem sugerido que esses três sermões são trabalhos de discípulos mais jovens. Yaganida, por exemplo, atribui o Sermão do Ciclo da Vida* a um membro da Escola de Zen Cabeça de Boi, que floresceu nos séculos VII e VIII, e pensamos que o Sermão do Despertar foi um trabalho do Séc. VIII da escola de zen do norte e que o Sermão da Grande Descoberta era de Shen-hsiu, o patriarca do Séc. VII da escola de zen do norte.

 

Lamentavelmente, faltam evidências que comprovem ou não a autoria. Até o corrente século, as cópias conhecidas mais antigas desses sermões são versões do Séc. XIV dos originais da dinastia T’ang (618-907) da coleção Kanazawa Bunko do Japão. Mas com a descoberta de milhares de manuscritos budistas da dinastia T’ang no início deste século nas cavernas Tunhuang na China, agora temos cópias dos séculos VII e VIII. Claramente esses sermões foram cedo compilados por monges que remontavam seus ancestrais até Bodhidharma. Se não foi Hui-k’o ou um de seus discípulos, talvez tenha sido T’an-lin quem os escreveu. Em qualquer caso, na ausência de evidências contrárias convincentes, eu não vejo razão para não aceitar os sermões como do homem a quem têm sido atribuídos por mais de 1.200 anos.

 

Os discípulos de Bodhidharma foram poucos, e a tradição zen que remonta seus ancestrais a ele não começou seu florescimento pleno até aproximadamente 200 anos após sua morte. Dada a espontaneidade e desapego promovidos pela abordagem de Bodhidharma ao zen é fácil ver porque esses sermões foram por fim negligenciados em favor de sermões de mestres zen nativos. Por comparação, os sermões de Bodhidharma parecem um tanto estranhos e despojados. Eu mesmo só os encontrei por acaso, numa edição da Essência da Transmissão da Mente de Huan-po. Isso foi 12 anos atrás. Desde então eu afeiçoei-me ao seu zen de ossos nus, e eu sempre tento imaginar por que eles não são mais populares. Mas, populares ou não, ei-los novamente. Antes que se evanesçam novamente na poeira de alguma cripta ou biblioteca, leia-os uma ou duas vezes e procure a única coisa que Bodhidharma trouxe para a China: procure a a marca da mente.

Pinheiro Vermelho
Lago do Bambu, Taiwan
Grande Frio, Ano do Tigre

 * N. da T. : A tradução literal do ideograma para esse sermão seria Sangüíneo. O título em Inglês é Sistema Circulatório.

Bodhidharma (Daruma): o vigésimo oitavo Patriarca na linha do Buda, o primeiro Patriarca do Zen na China. Os estudiosos não estão de acordo quanto à data da ida de Bodhidharma da Índia para a China, ao tempo em que permaneceu ali e a ocasião de sua morte; contudo, e geralmente admitido pelos budistas Zen japonese sque ele foi de barco da Índia ao Sul da China cerca do ano 520 e, após uma curta tentativa fracassada de estabelecer ali seus ensinamentos, foi para Lo-Yang no Norte da China e finalmente se fixou no Templo Shorin (Shao-lin), localizado no Monte Su (Sung-shan). Ali praticou tenazmente o zazen durante nove anos, razão pela qual esse período veio a ser conhecido como seus “nove anos defronte da parede”.

 

Bodhidharma e Hui Ko, seu discípulo a quem transmitiu o Dharma, são os personagens do quadragésimo primeiro Koan no Mumonkan, assim como de uma famosa pintura de Sesshu, o maior pintor japonês. Eka, um estudioso de certo renome, queixa-se a Bodhidharma, que está em silêncio fazendo zazen, de que não tem paz de espírito e pergunta como pode adquiri-la. Bodhidharma manda-o embora dizendo que a consecução da paz interior exige longa e severa disciplina e não é para os presunçosos ou pusilânimes. Eka, que tinha ficado do lado de fora, na neve, durante horas, implora a Bodhidharma que o ajude. De novo é repelido. Em desespero, ele corta sua mão esquerda e a oferece a Bodhidharma. Convencido de sua sinceridade e determinação, Bodhidharma aceita-o como discípulo.

 

Se, historicamente, estes episódios são reais ou não, importa menos que o fato de revelarem simbolicamente a importância dada pelos mestres Zen ao anseio pela paz de espírito, ao zazen, e à sinceridade e humildade, perseverança e fortaleza como pré-requisitos para a consecução da mais elevada verdade.

 

Bodhidharma

“Ao longo da roda sem fim dos nascimentos e
renascimentos.
Em busca vã. empenhei-me em encontrar
Quem concebera o edifício.
Que miséria! Nascer, sem cessar!
Ó construtor, eis que vos descobri!
Esta obra, não a reconstruireis jamais!
Todas as vigas estão destroçadas,
O teto pontiagudo jaz por terra!
Este espírito logrou a dissolução
E assistiu à cessação do desejo!”

Mil anos separam o canto vitorioso do Buda, após obter a iluminação, da chegada de Bodhidharma, o propagador do Zen, à China.

E, contudo, a mesma procura, a mesma exigência os une: logo outros cantos de vitória seriam ouvidos em terra chinesa.

Os adeptos do Zen sempre desejaram estabelecer uma filiação espiritual de mestre a discípulo desde Gautama até Bodhidharma, o último patriarca indiano. Mas é preciso levar em conta que essa genealogia tardia não encontra respaldo algum nos documentos históricos. Devemos, pois, considerá-la com precaução.

Segundo os textos, o Zen foi diretamente transmitido pelo Buda a seu discípulo Mahakashyapa durante uma reunião da congregação.

Gautama apresentara uma flor á assembléia sem dizer uma palavra. Somente Mahakashyapa compreendera a alusão, respondendo com um sorriso…

 

 

Uma  anedota, verdadeira ou apócrifa, tem o mérito de traduzir com exatidão o espírito não-verbal do Tch’an tal como Bodhidharma o propagou.

Os “genealogistas” do budismo nomeiam vinte e sete patriarcas indianos, que se sucederam sem interrupção até Bodhidharma. Este último, filho de um brâmane convertido ao budismo, foi enviado pelo imperador Wu á corte de Nanquim.

O relato dessa entrevista tornou-se lendário. Tem já o sabor, o tom lapidar, o estilo e a jovialidade que farão a glória dos mestres do Tch’an.

O imperador, budista fervoroso, tentou alardear aos olhos do missionário a soma dos méritos que acumulara em anos de serviço à religião: subvenções aos monastérios, cópias de escrituras, edificação de templos e santuários.
Asperamente, Bodhidharma retrucou que não via nisso motivo algum de glória, tais “méritos” estavam totalmente destituídos de valor!
Aturdido, o imperador cobrou explicações.
- Isso tudo não representa mais que atos insignificantes dos homens. Quanto aos deuses, são apenas uma fonte fugidia de recompensas que os segue como a sombra segue o corpo. Ora, a sombra não existe, embora o pareça.
- Qual é, pois, o verdadeiro mérito?
- Ele consiste na compreensão da sabedoria pura, cuja substância é o silêncio e o vazio. Mas não se pode aspirar a esse mérito como o mundo o faz.
Cada vez mais confuso, o imperador ainda replicou:
- Qual é o primeiro princípio da doutrina sagrada?
A resposta veio como uma bala de canhão:
- Um vazio insondável e nada de sagrado!
Sem argumentos, o monarca tentou pela última vez confundir o sábio:
- O que é que está diante de mim?
- Não sei.

Bodhidharma pediu permissão e deixou o imperador. Diz a lenda que enfurnou-se por sete anos numa grota, mantendo-se assentado diante de uma parede- Antes de morrer, transmitiu o conhecimento a seu primeiro discípulo.

Essa história, qualquer que seja sua veracidade original, exprime perfeitamente a via negativa ou apofática que não tardaria a constituir a essência da prática zen-budista.

Ao imperador ávido por estadear seus méritos e ocupar-se das coisas sagradas, Bodhidharma replica que semelhante concepção religiosa é absurda, votada à confusão. Enquanto insistimos em perpetuar algo como o ‘mérito”, alimentamos a crença de que somos um ser distinto, autônomo.

Finalmente, ao ser solicitado a definir sua natureza, Bodhidharma esquiva-se à pergunta e finge nada saber.

Tal é a “parede” do Tch’an: um vazio impenetrável, nem sagrado, nem profano.

O Zen recusa-se à instigação equivoca da teorização e da abstração.

Bodhidharma enunciou quatro princípios essenciais ao conjunto do “pensamento” zen ulterior. Esses princípios tornaram os adeptos imunes ao pietismo e à fé cega.

- Transmitir sem levar em conta as escrituras.
- Não depender de palavras ou textos.
- Avançar diretamente rumo ao espírito do homem.
- Contemplar sua própria natureza e alcançar a condição de buda.

 

Evitando fundamentar-se em textos, o Tch’an afasta as tentações fetichistas e escolásticas comuns às religiões. Quantos fiéis não se perderam no estudo e na exegese, esquecendo sua natureza inerente e deixando-se embair pelo encantamento místico ou pela razão discursiva!O que importa é o espírito do homem aqui e agora, sem a proteção ilusória de escrituras sagradas.Alertada pela presença de um sábio, a pseudopersonalidade deseja exibir méritos conseguidos com prática vaidosa. Mas os mestres do Tch’an sabem sempre encontrar a brecha na couraça e apontar a verdade…O espírito Tch’an não se reveste de discursos, mas como uma ave de rapina ataca a presa oferecida pelo questionador desatento, imbuído de sua personalidade mesquinha.

Transmissão na Índia

 28. De Prajnatara para Bodhidharma

O ex-príncipe Bodhidharma conheceu Prajnatara. como um mestre de Vajramushti, a arte marcial da antiga Índia. Depois, ele descobriu que Prajnatara também era um mestre do Dharma de Buddha, pelo qual se interessou ainda mais.

 

Prajnatara: O que é completamente sem características e, portanto, completamente incaracterizável?
Bodhidharma: É aquilo que nunca, quando se manifesta livremente, nunca surge no lugar original.
Prajnatara: O que é o mais excelente, exalto e sublime?
Bodhidharma: É a clareza e brilho inatos da própria consciência.
Prajnatara: O que é realmente ilimitado e, portanto, sem nenhuma divisão ou ligação?
Bodhidharma: É a própria natureza da realidade, da maneira que ela é, momento a momento.

 

Depois dessa transmissão, Prajnatara pediu a Bodhidharma para que levasse a luz do Dharma até a China. Depois de uma longa viagem de barco, ele chegou lá e se encontrou com o imperador Wu, do reino de Liao.

 

Wu: Eu construí templos e monastérios para os monges, dei dinheiro para os pobres. Quantos méritos eu consegui?
Bodhidharma: Mérito nenhum.
Wu: Então, o que é o ensinamento sagrado do Buddha?
Bodhidharma: É vazio e nada tem de sagrado.
Wu: Mas afinal, quem é você?
Bodhidharma: Não sei.

Depois disso, Bodhidharma se retirou para o norte e se instalou no monastério Shao-lin, onde se iniciaria a luminosa linhagem chinesa do Zen.

Transmissão na China

 29. De Bodhidharma para Hui-k’o

Hui-k’o tinha estudado as duas filosofias chinesas, o confucionismo e o taoísmo, mas seu interesse real era pelo Dharma de Buddha. Tornou-se monge, passou a estudar os sutras e a meditar rigorosamente. Com a permissão do seu abade, ele viajou ao monastério Shao-lin, onde estava o mestre Bodhidharma. Hui-k’o só foi admitido por Bodhidharma após cortar o próprio braço, como prova de fé inabalável. Oito anos depois, ele declarou:

 

Hui-k’o: Finalmente, coloquei fim às condições.
Bodhidharma: Tal estado deve ser equivalente à morte.
Hui-k’o: Não tem nada tem a ver com a morte.
Bodhidharma: Pode me provar isso?
Hui-k’o: Estou claramente e continuamente desperto. Absolutamente, não há palavras adequadas para expressar esta claridade!
Bodhidharma: Esteja certo de que tal claridade é a própria essência da mente de todos os buddhas.

Com esta transmissão, Hui-k’o tornou-se o segundo ancestral do Ch’an, o Zen chinês.